23 de set. de 2008

abeeeença, vô!

vovô,

pq tudo que vc queria só pedia à mim? era água, os remédios.. seja o que fosse. não podia me ver, eu não podia passar que vc percebesse e vc já me gritava me pedindo algo.
vôzinho, se fosse hoje faria tudo com mais satisfação. faria sem reclamar [como muitas vezes eu dizia: "Ah, vô! Que saco!"], faria antes do senhor me pedir, seria muito mais disponível.
o senhor brincava o dia inteiro com seus netos, vô. eram tantas as histórias que contava. inventava histórias com os netos sendo os protagonistas. cobra-cega, mamãe-mandou, tinha uma brincadeira que todos ficavam de joelhos, cabeças baixas e
"bunda pra cima", tinha um cipó atrás de um de nós e como se brincava, eu não me recordo. tinha uma de uma caixa com bombons ou chicletes em baixo, olhos vendados e um cabo de vassoura pra quem acertar a caixa ganhar o "presente". o senhor deixava (pq era pra ser proibido aquilo) a gente brincar de bolo de guerra (bolo de areia, pra quem não sabe) mesmo cavando dezenas de buracos no seu quintal.
plantava árvores frutíferas que até o tamarindo é doce. fez um "tanque" pra gente tomar banho, o chuveirão, o balanço na mangueira.
o senhor era muito bom, vô.
trazia cana do terreno, descascava e cortava em cubinhos, guardava na geladeira pra quando eu chegasse falar: "tem uma coisa pra vc na geladeira". ou guardava ata que tirava do pé ainda de vez e colocava pra amadurecer e guardava pra mim, só pq eu gostava muito. o senhor me chamava de pipira (nome de um pássaro). eu achava esse nome feio, mas no fundo eu sentia o amor das suas palavras ao me apelidar e sorria feliz por dentro.
o senhor sabia vô, que eu pegava escondido batom garoto na sua mercearia? que uma vez enchi minha boca de bolim-bolão (um chiclete), e esses eu também tinha pego escondido. que coisa! às vezes me pegunto pq eu fazia aquilo, como todos os netos. sei que o senhor seria incapaz de negar pra qualquer um de nós qualquer coisa que fosse. a não ser que nos fosse prejudicial. mas é coisa de criança, faz parte! eu lembro também que eu era cheia de lápis e borrachas, também da sua merceaira que chamava "O Mesquita", sobre-nome que acho lindo e queria ter no meu nome.
eu lembro da sua paixão por pássaros. o senhor enchia o saco quando colocava umas fitas k7 de músicas de cantos de pássaros pra tocar no del rey vermelho, pros pássaros aprenderem a cantar. mas eu aprendi a gostar de Luís Gonzaga, eu e um netinho seu que o senhor não conheceu. del rey que era uma paixão sua. inclusive uma vez me colocaste pra lavá-lo. eu lembro muito bem de todas as regras que me impuseste na lavagem do carro (acho a mamãe metódica que nem o senhor, vô. aff!). aprendi que se passa a flanela na parte superior aos frizos do carro antes, e só depois passa-se à cima deles pra que a areia, que supostamente ficasse na flanela, não ralasse a pintura do carro. esse dia foi um saco, vô.
fico hoje pensado na sua importância. nas herenças sentimentais como o amor que deixou marcado aqui dentro. na saudade. no teto que deixou pra minha mãe e pra nossa família. no exemplo de Homem. mesmo com toda seu "militarismo", sempre estava correto. obrigada por deixar pra gente aquela casa gigante que construíste com teu suor de tantos anos, constrída pra nos dar o prazer de reuniões semanais, confraternizações. constrída e plantada de muitas árvores ao seu redor, árvores que dão vento, frutos, sombra.. elas que em suas copas revelam seu rosto.
ah! lembrei ao falar de rosto, do seu bigode. era lindo vô. eu juro que eu achava lindo.e olha que eu nem gosto de bigodes. ele combinava com os seus cabelos lisos(pq não puchei pro senhor? droga!) tinturados. os seus olhos eram claros (e eu reclamo de novo: pq eu não puchei pro senhor?) e refletia alguma coisa especial que não sei explicar. o senhor era a "cara da saúde", tinha um ar de fodão (desculpe o palavrão), mas era mesmo, vô. por ser alto, ter uma voz marcante, marcava presença. era muito bonitão (vovó se deu mó bem, hein?!).
então.. eu sempre te vejo em qualquer luz que brilhe e ofusque mais, ou num beija-flor às 18h. eu te sinto no balançar dos galhos das árvores lá de casa (que é assim que eu chamo a casa que deixaste pra nós: de minha casa), ao colher as cajás sinto vc do meu lado, ao olhar pras plantas que plantaste na praça, ao passar por aquele lugar da sua rede, ao olhar pro teto da garagem. tantos detalhes, tantas coisas ..
vô, esses dias andei colhendo adivinha o quê?! bacuparí!!! lembra que o senhor plantou?!? demorou a dar frutos, não sei pq. acho que ela também sentiu a sua falta, a árvore. pois é! e agora ela quis te trazer mais uma vez de volta, nos dando seus frutos. e tem muitos vô. eles se escondem entre as folhas, não sei como.. são tão amarelinhos..
e vô, se eu te contar as novidades o senhor não acredita! tem tanta coisa boa pra falar! mas eu vou te esperar em mais um sonho que eu tiver, tá? a gente pode sentar em um banco da pracinha (que tá reformadíssima, viu vovô?!) e enquanto eu cato as sementinhas vermelhas e o senhor monta meu nome com elas no banco, eu vou te contando do Wlazinho, da Maria Clara, da minha vida, te conto do Pedro (ele voltou a morar com a gente, sabia?!), te conto da minha vida como tá difícil, mas tá muito boa, da mamãe (ela pintou aquela casinha inteira, vc precisa vim ver!), de tudo! preciso te encontrar e falar o que eu nunca falei quando o senhor tava aqui na terra: "que eu amo o senhor, vô!"

e eu quero que o senhor me espere, eu vou ainda viver uma vida ao teu lado novamente.

beijo de sua neta predileta. op's!

3 comentários:

Unknown disse...

eu te odeio vivi...¬¬... chorei horrores aki!!:**

Vivianne Soares disse...

caralho, que povo chorão!
hehe
eu também escrevi chorando.
rá!
beijo, obrigada pelo comentário!

Anônimo disse...

Viviiii(amada)
Vc conseguiu uma perfeita descrição do "Mesquita" da minha infância.Chorei muuuuuito!!!